19 de maio de 2017

Mais uma mensagem XXII

O quarto não era nada de especial. Pequeno, simples e de cores claras. Não  era um quarto de motel para amantes. Não era um motel. Não tinha um espelho no teto nem flores numa jarra. Era um simples quarto com uma cama no centro, duas mesas de cabeceira, um pequeno sofá azul escuro, já bastante coçado pelo uso. Na parede da cabeceira da cama estava pendurado um quadro grande com uma pintura abstrata em tons de vermelho e preto. Sofia não gostava daquele quadro e nada tinha a ver com o resto da decoração. Das várias vezes que pernoitaram neste quarto, Sofia olhava de soslaio para o mesmo e torcia o nariz. Mas não estava naquele quarto para apreciar arte. A janela antiga, com vista para as traseiras da casa, decorada com um cortinado florido, antigo e fora de moda, era aberta assim que chegavam ao quarto, tal era o cheiro a mofo. Num dos cantos do quarto estava uma mesinha redonda com uma pequena televisão, um candeeiro cuja lâmpada estava fundida e um cinzeiro de metal. Nenhum destes 3 objetos foi usado nessa noite. Mas a cama foi. A cama foi usada apesar de os lençóis não serem de seda, apesar de não haver almofadas a embelezá-la, apesar de não ser confortável.
A cama. O ponto de encontro. O porto de abrigo. O ninho. O núcleo. O ponto de partida de uma relação proibida. O começo de um relacionamento privado. O berço de momentos únicos, irrepetíveis e inesquecíveis. Sofia passou a chamar-lhe "a nossa cama".
Filipe tinha um amigo que alugava quartos para férias, na Nazaré. O negócio havia sido durante muitos anos da sua mãe, a "ti Joaquina", nazarena de sete saias amplamente conhecida por portugueses e estrangeiros que por ali passavam férias. De sorriso simpático cativou milhares de clientes para alugar os seus quartos, rooms, chambres, zimmers.. Assim que a "ti Joaquina" faleceu, o filho Pedro passou a alugar os quartos também aos seus amigos na época baixa, para levarem as suas namoradas ou conquistas. Filipe passou a ser um destes clientes. Um cliente habitual.
Sofia acordou sobressaltada sem saber bem onde estava. Tentava adaptar os olhos à escuridão quando se lembrou. Virou-se na cama e colocou o braço sobre o peito nú, quente e musculado de Filipe. Sorriu e beijou-o ao de leve no ombro. O surfista dormia profundamente. Sofia olhou-o, na penumbra do quarto, observando os traços do seu rosto. Parecia ter sido desenhado por anjos ou arquitetos. Os seus traços eram perfeitos. Inalou o cheiro do cabelo e do pescoço e sentiu o aroma perfeito. Parecia ter sido pensado por perfumistas conhecedores dos aromas e das fragrâncias que Sofia mais gostava. Passou o dedo suavemente pelos lábios do surfista e ele, ainda a dormir, sorriu. Pouco tempo depois Sofia adormecia, também com um sorriso nos lábios.
Tinham tido uma noite perfeita. A primeira de muitas noites que ainda iriam ter. Sofia não se importava  de ser a outra, a amante... Sofia queria viver com Filipe apenas aqueles momentos. Voltou a explicar-lhe que não era  uma mulher para casar. Era uma mulher para ter prazer e dar prazer. Não estava preparada para viver com ninguém. Não queria ter que dividir casa, carro e cama com ninguém. Queria partilhar o seu corpo com Filipe. Queria partilhar sabores, odores, gemidos e sorrisos.
Filipe não se importava. Mas lá no fundo queria ter Sofia todos os dias. Queria ensiná-la a surfar. Queria cozinhar para ele os seus pratos preferidos. Queria poder ver a linda e sensual Sofia a envelhecer a seu lado. Nunca lhe disse isso. Guardou-o para si. Ela  nunca iria entender.
Na manhã seguinte, bem cedo voltaram às suas vidas normais. Nada do que tinha acontecido entre aquelas quatro paredes era para ser partilhado. Nenhum dos momentos vividos naquela cama seria relatado a terceiros. O mundo real jamais entenderia. O mundo real é preconceituoso e cruel. No mundo real não há espaço para eles.
Fecharam a porta do quarto e deram um último beijo. Mas ambos sabiam que não era o último beijo. Ambos sabiam que assim que a fome voltasse e o desejo surgisse, aquela porta tornaria a abrir-se para eles. A cama voltaria a ser a "sua cama". As paredes do quarto pequeno, simples e de cores claras voltariam a presenciar momentos únicos, irrepetíveis e inesquecíveis.