13 de novembro de 2017

Mais uma mensagem XXIII

Sofia estava esfomeada. Nessa manhã tinha saído de casa sem tomar o pequeno-almoço e quase nem tinha tido tempo para tomar um duche. Tinha acordado atrasada, não ouvira o despertador e pensava que era domingo, o seu único dia de folga. Saltara da cama assim que se apercebera das horas e do dia. Chegou à livraria mesmo à hora de abrir as portas, nem tivera tempo de passar na pastelaria Charme para o cafézinho matinal. Agora que era quase meio-dia preparava-se para ir almoçar com a sua colega Paula ao café perto do seu trabalho. Normalmente ficavam por ali, comiam uma sopa e um rissol ou um folhado misto, bebiam um café e punham a conversa em dia. A Paula era uma miúda gira, muito comunicativa e expressiva. Era um pouco mais velha que Sofia e morava sozinha na zona do Bairro Alto. Era atriz de teatro e aspirava ser conhecida na sétima arte. Para ganhar mais algum dinheiro, fazia animação sócio-cultural em escolas e colégios da zona. Não tinha namorado embora toda a gente insistisse em dizer que já tinha idade para casar. Tinha uma "amiga". Era assim que ela falava da sua companheira. Nem toda a gente entenderia aquele amor entre duas mulheres. Mas Sofia sim. Sofia entendia e apoiava-as no que fosse necessário. Saiam muitas vezes as três, mas ninguém diria que era um casal de lésbicas e uma hetero. Sofia sonhava com o dia em que as mentalidades mudariam.  Estando o mundo em constante evolução Sofia sabia que mais cedo ou mais tarde iria ser normal o amor entre pessoas do mesmo sexo. Gostaria muito que um dia, as suas amigas pudessem beijar-se em público, andar de mãos dadas e quem sabe, casar, sem serem discriminadas e postas de parte pela sociedade retrógrada do nosso país.
Paula sabia que Sofia andava enrolada com um rapaz comprometido. Paula não condenava Sofia e até a instigava a tentar mais do que apenas umas noites com ele. Poderiam vir a ser um casal...
Sofia entrou  no café e viu que a sua amiga Paula já tinha chegado e estava sentada na mesa do costume, junto à janela para se divertirem a observar os transeuntes atarefados que por ali passavam.
- Oi miúda! Estava a ver que nunca mais chegavas. - disse Paula, levantando-se para abraçar  e cumprimentar Sofia.
- Cala-te, hoje é um dia para esquecer!  Acordei tarde e pronto, a partir daí já sabes, foi uma correria para chegar à loja. O trânsito infernal da ponte... buhhhh... Fiquei com trabalho atrasado de ontem, umas encomendas que chegaram ao fim do dia... hoje passei a manhã a tratar do assunto. Ainda nem bebi café!
- Que mal... Mas, olha deixa lá que tenho uma novidade para te contar! Nem vais acreditar... - Os olhos de Paula brilharam e o sorriso aberto deixou antever que algo de muito bom se passava na vida da sua amiga.
- Ui, ui.... conta, conta! Quero saber o que te deixou assim tão feliz!
- Sim, conto já, mas vamos pedir primeiro... O que vamos comer? Uma tosta?- Paula fez sinal ao empregado que se aproximou com um bloquinho de folhas brancas e um pequeno lápis de carvão que já merecia um encontro imediato com um afia-lápis. Pediram tostas mistas, sumo de laranja e enquanto aguardavam, Paula confidenciou o que a havia deixado felicíssima.
- Vou trabalhar para Nova Iorque!!!! I'm going to the big apple!!! Can you believe it? - Anunciou Paula com um sorriso de orelha a orelha!
- What? A sério?? Mas, mas... como? O que vais fazer? Tens lá emprego? - Sofia estava incrédula, mas feliz pela sua amiga.
- Sim! Há uns tempos fiz uns castings para uns gajos americanos. Se queres que te diga, já nem me lembrava... Telefonaram-me há uns dias. Não te vou contar pormenores, "details" mas vou assinar contrato e fico por lá uns meses. Estou tão feliz amiga! O meu sonho está prestes a realizar-se! E a Zé vai comigo, claro!
- Paula!!! Fogooo, estou tão feliz por ti, por vocês... mas só me apetece dizer-te "Também quero ir" - abraçaram-se felizes. A hora de almoço foi passada a conversar sobre o assunto do momento e até marcaram um jantar de despedida para a sexta-feira seguinte. Despediram-se felizes e voltaram aos seus empregos.
Sofia continuou muito atarefada durante o resto do dia. Aproximava-se a altura de Natal e havia novos livros para colocar nas prateleiras, mais clientes a procurar obras para oferecer e Sofia nem deu pelo tempo passar. Eram quase 19horas quando entrou um cliente que Sofia não esperava atender. Filipe acabava de aparecer à sua frente com um livro acabado de tirar, aleatoriamente ou não, da prateleira "The Girl who loved Tom Gordon" de Stephen King.
- Boa noite, menina! - disse Filipe, fingindo um ar sério - Gostaria de saber se me aconselha este livro...
- Boa noite, caro senhor! - Sofia entrou na brincadeira - Devo dizer-lhe que Stephen King é apenas o melhor contador de histórias fantásticas, de sempre. Eu sou suspeita pois adoro todos os seus livros, no entanto devo dizer-lhe que esse não é dos melhores, mas creio que deverá gostar. Presumo que saiba ler inglês... - piscou-lhe o olho e sorriu.
- Presume bem, cara menina! Vou levar o livro. - Filipe entrega o livro a Sofia e os seus olhares mantêm-se presos e Sofia pergunta se ele vai levar mais alguma coisa.
- Sim, posso levá-la  também comigo? - fez o seu melhor ar de "engatatão" e Sofia desatou a rir.
- Hahaha... Vou ver o que posso fazer... mas daqui a meia hora estarei de saída... se quiser esperar... - pisca-lhe o olho enquanto lhe entrega o talão e o saco com o livro. Demora-se um pouco a observar este cliente. Estava tão bonito! Cabelo bem penteado e preso num rabo de cavalo. Roupa escura, um sobretudo quente e um cachecol cinzento claro que parecia abrilhantar o olhar azul e profundo do cliente-surfista, com ar de intelectual australiano. 
- Eu posso esperar, menina, sei que vai valer a pena.
Filipe dirige-se à porta de saída, e antes da sair vira-se para Sofia, dirigindo-lhe um olhar penetrante:
- Boa  noite menina! Obrigada pelo atendimento simpático. Até à próxima!
- Até já... senhor! - Disse Sofia, piscando-lhe o olho e virando-se com rapidez para a cliente seguinte que presenciara o diálogo mas nem prestara atenção nenhuma à conversa dos dois amantes.
Meia hora depois Sofia fechava e trancava a porta da livraria quando sente alguém a encostar-se, por trás. Poderia ser um assalto, poderia ser um ladrão... e no fundo até era mesmo. Filipe preparava-se para lhe roubar o chão, para lhe tirar o fôlego e deixá-la ofegante.
Era o início de uma grande noite, vivida a dois. Tudo o resto seria cenário e adereços de um palco onde só cabem estes dois atores, onde o improviso é mais importante do que os textos bem decorados e os movimentos estudados e onde no final da atuação não se ouvem aplausos... apenas o silêncio dos olhares de cumplicidade e de agradecimento pelo momento vivido!